Homeopatia no SUS: resultados exitosos em saúde pública

Homeopatia no SUS: resultados exitosos em saúde pública

Centros de Saúde do SUS de Belo Horizonte e São Paulo lançam mão da homeopatia no cuidado de crianças, jovens, adultos e idosos, tratando diferentes problemas de saúde, desde doenças respiratórias a efeitos colaterais da quimioterapia

Redação e Edição: Katia Machado (Fiocruz)

Revisão Científica: Ricardo Ghelman e Caio Portella (CABSIN)

A homeopatia chegou oficialmente ao Brasil em 1840, com o médico francês Jules Benoit Mure, discípulo direto do criador do sistema terapêutico, o médico alemão Christiann Friedrich Samuel Hahnemann (1755-1843). Ela foi reconhecida como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina nos anos 1980, ganhando proeminência em 2006, com a publicação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da demanda dos usuários com seu direito de escolha terapêutica pela homeopatia, bem como de experiências exitosas, esta, porém, vem sendo subutilizada no SUS. O Fórum de Homeopatia da Fiocruz 2021, grupo de estudo resultante do Curso Introdutório de Homeopatia para Médicos da Rede Pública de Saúde, sob a coordenação do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Escola de Governo da Fiocruz Brasília, aponta avanços, mas especialmente fragilidades e lacunas na implementação da homeopatia no SUS, entre elas a falta de integração entre extensão e serviços do SUS, limitando a produção de conhecimento e a divulgação entre gestores, profissionais e população em geral. 

Para os estudiosos: Dalva de Andrade Monteiro e Jorge Alberto Bernstein Iriart, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a homeopatia foi desqualificada e colocada à margem da sociedade, comparada à biomedicina. Eles reforçam, no entanto, que tanto uma quanto a outra são diferentes racionalidades médicas e ambas podem ser definidas como sistemas médicos complexos, uma vez que são estruturalmente constituídas por morfologia humana  (ou anatomia), pela dinâmica vital (ou fisiologia), pela doutrina médica (ou corpus doutrinário), por um sistema de diagnose e um sistema terapêutico próprias. “Nesses dois séculos de convivência, entretanto, a homeopatia ocupou uma posição marginal em relação à biomedicina, uma vez que esta, legitimada pelo grande desenvolvimento tecnológico e pela ocupação competente de espaços e papéis sociais, transformou-se na medicina que responde às demandas, ainda que de forma limitadaem algumas condições )  de saúde e dá sustentação ao modelo econômico dominante no mundo ocidental”, escrevem no artigo ‘Homeopatia no Sistema Único de Saúde: representações dos usuários sobre o tratamento homeopático’. 

Experiências exitosas no SUS

Experiências bastantes exitosas no SUS reforçam, a despeito das fragilidades e lacunas, a eficiência que a homeopatia tem sobre a saúde das pessoas, seja na prevenção ou no tratamento de diferentes problemas de saúde, e para o próprio sistema. No SUS de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, há 28 anos funciona o Programa de Homeopatia, Acupuntura e Medicina Antroposófica (PRHOAMA), tendo como marco regulatório a Lei Orgânica Municipal de 1990. São 15 médicos especialistas em Homeopatia, que atuam em centros de Atenção Primária à Saúde das nove regionais e oferecem apoio às equipes de saúde da família. “Já fomos 22 médicos homeopatas. A homeopatia em Belo Horizonte é resultado de um movimento de participação e mobilização popular crescente”, realça a médica homeopata da prefeitura de Belo Horizonte, Claudia Prass Santos, há 21 anos colaborando com o PRHOAMA.

Segundo a médica, as ações também são desenvolvidas em alguns centros de reabilitação. “Ao longo destas quase três décadas, vários trabalhos científicos evidenciaram os resultados do tratamento médico homeopático na Atenção Primária à Saúde do SUS de BH”, informa. Ela destaca uma pesquisa de alto padrão que investigou o impacto do tratamento homeopático na qualidade de vida de mulheres com doenças crônicas (1), bem como o impacto da homeopatia nos surtos epidêmicos de dengue, H1N1 e outros (2). “Inúmeras apresentações sobre estas realizações e seus resultados foram realizadas na Rede SUS-BH, para profissionais de saúde e gestores locais, regionais e centrais”, conta.

Para a médica, destacam-se, nesse contexto, a escuta e o envolvimento de uma secretária adjunta de saúde, em 2009, com a qual se pode empreender o maior trabalho oficial da Homeopatia em epidemias no SUS de Belo Horizonte até o momento: a oferta do medicamento homeopático para prevenção de dengue em 2010, com alta adesão da população, quando foram distribuídas mais de 51.000 doses homeopáticas individuais, observando baixa incidência de casos de dengue onde a distribuição das doses homeopáticas foi realizada pelo PRHOAMA. “A unidade de saúde que registrou menor número de casos de dengue em 2010, em Belo Horizonte, foi o Centro de Saúde Pilar, na Regional Barreiro: quase 40% da população da sua área de abrangência usou a dose homeopática profilática, no curto período de alguns dias”, recorda.

Medicina de Família, terreno fértil

Na avaliação de Santos, a medicina de família é terreno fértil para implantação da homeopatia, pois se trata de racionalidade médica econômica, eficiente, eficaz e segura, que vem ao encontro da busca por qualidade de vida e resultados na saúde. Além das epidemias de dengue e H1N1, o PRHOAMA tem se destacado no cuidado de usuários de drogas, crianças, idosos e mulheres, no tratamento de transtornos mentais e doenças crônicas em geral, bem como na pandemia de Covid-19. “A homeopatia se destaca pela sua adequação em todas as epidemias , no que tange à prevenção e tratamento, ao olhar sobre a integralidade do ser”, garante a médica.

Segundo ela, quanto à pandemia da Covid-19, o PRHOAMA propôs o uso amplo do medicamento homeopático Arsenicum album CH30. Recusado pelo nível central, o medicamento foi usado por usuários e profissionais de centros de saúde que contavam com médicos homeopatas já habituados ao medicamento homeopático. “Em março de 2020, médicos homeopatas foram procurados pelas equipes de saúde em busca do medicamento, a ser usado como auxílio à saúde no enfrentamento da Covid-19. O medicamento Arsenicum album CH30, 1 glóbulo via oral, foi prescrito oficialmente pelo PRHOAMA. Médicos homeopatas e gerentes compraram os vidros do medicamento, ou os receberam como doação de farmacêuticos. A prescrição e/ou o frasco de glóbulos foram disponibilizados para os profissionais e seus familiares”, realça Santos no livro `A medicina como elo entre a ciência e a prática`, recentemente publicado pela Editora Atena.

Autora do capítulo `A Pandemia de Covid-19 e o PRHOAMA do SUS-BH`, Santos informa que 75% a 90% dos profissionais de seis centros de saúde das Regionais Centro Sul, Leste, Noroeste, Oeste e Pampulha de Belo Horizonte usaram Arsenicum album CH30 para auxílio à prevenção da Covid-19. “Em três centros de saúde, nenhum profissional apresentou teste positivo para Covid-19 (média de oito funcionários com Síndrome Gripal – SG). Em dois centros de saúde, um profissional teve um teste positivo. Em um centro de saúde, dois profissionais apresentaram testes positivos (doze profissionais com SG)”, escreve, acrescentando que, segundo a gerente deste último centro de saúde, os profissionais que usaram a homeopatia precocemente se recuperaram sem necessidade de internação.

Com ampla experiência na área, Santos diz que a homeopatia funciona, também, no cuidado de crianças com asma, bem como de mulheres no climatério (período de transição em que a mulher passa da fase reprodutiva para a fase pós-menopausa). Ela conta que foi convidada pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rubens Tavares, orientador da tese de doutorado de Natália Champs, sobre o impacto da homeopatia na qualidade de vida de mulheres com doenças crônicas, para contribuir com o Ambulatório de Extensão e Homeopatia do Hospital de Clínicas da UFMG. “Às sextas, pela manhã, estou no ambulatório como parte das minhas 20 horas de trabalho como médica homeopata, atendendo pacientes encaminhados por ele, que é médico obstetra, em especial mulheres com climatério, e há quase quatro anos, já atendendo outras mulheres, funcionários e familiares. Por ali, passam, também, alunos de medicina, oportunizando a estes alunos o conhecimento acerca da homeopatia, já que não temos esta medicina no currículo do curso. É um momento em que eles podem estar em contato com a Homeopatia e verificar sua eficácia”, diz. 

Santos acredita que, além da ampliação de cursos e a inserção da homeopatia nos currículos da graduação e da pós-graduação, faz-se necessário ter gestores com visão diferenciada, que reconheçam os resultados positivos que a homeopatia produz. “Eu chego na pandemia de Covid-19 preparada para enfrentar a doença, mas não conseguimos ofertar o nosso conhecimento por resistência da gestão”, recorda. 

Homeopatia no SUS de São Paulo

Wilson Tsuguo Goshima, médico homeopata clínico desde 1996, faz a mesma observação: “São poucos os cursos de formação em que na grade curricular está incluída a homeopatia. Há um grande desconhecimento por parte dos graduandos de medicina quanto a esta racionalidade médica”. Para ele, trata-se de um grande desafio a ser enfrentado, uma vez que os médicos homeopatas atuam em várias frentes. “Nos deparamos com questões pediátricas mais comuns, como as alergias respiratórias (rinites, faringites, bronquites etc.), cólicas intestinais e alergias dermatológicas, e mais graves, como autismo, déficit de atenção e hiperatividade, déficits de desenvolvimento. Cuidamos de adultos, tratando de problemas de enfisema, asma, bronquite, quadros dermatológicos, seborreia, quedas de cabelos, artrite reumatoide, lúpus, cardiopatias, artrite crônica, insônia, entre outros”, lista. 

Segundo Goshima, no Centro de Referência em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (CRPICS) Bosque da Saúde, no bairro Vila Mariana, em São Paulo (SP), unidade do SUS na qual também atua como médico homeopata, o sistema terapêutico mostra-se bastante eficiente no cuidado de mulheres que se aproximam da menopausa. “A homeopatia pode ser usada com eficácia no tratamento de sintomas como fogacho, calor, insônia, distúrbio menstrual, secura vaginal. É um universo complexo e amplo”, garante, citando ainda resultados promissores da homeopatia em pacientes com degenerações por conta da idade, como Alzheimer, doença senil, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica (ELA) e Doença de Parkinson.

Ele explica que a especialidade pode ajudar em diversas questões, entre elas na redução dos efeitos colaterais da quimioterapia, como náusea e vômitos, e dos problemas de diminuição das células sanguíneas . “Com os medicamentos homeopáticos, você pode minimizar os efeitos colaterais do tratamento quimioterápico, tratando os sintomas de náusea e vômito, ajudando o corpo a reagir de forma mais adequada ao tratamento quimioterápico e melhorando a imunidade e a queda abrupta de glóbulos vermelhos”, confirma. 

O município de São Paulo conta, hoje em dia, com um total de seis CRPICS, cujo propósito é oferecer à comunidade um atendimento focado na promoção da saúde integrado, à prevenção de agravos à saúde e à reabilitação, utilizando métodos naturais e cuidando da pessoa de forma integral. Somente na unidade Bosque da Saúde, instalada em 2016, são ofertadas: Homeopatia, Acupuntura, Liang Gong, dança circular, Qi Gong e meditação. “O CRPICS Bosque da Saúde começou como Unidade básica de Saúde, se transformou em centro de referência em homeopatia, nos anos 2000, se reafirma com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), em 2006, e chega ao modelo atual”, recorda. 

Goshima lembra, ainda, que a unidade além do atendimento médico e farmacológico, com o fornecimento de medicamentos homeopáticos, se destacava com ações de formação e capacitação de profissionais médicos homeopatas, por meio da educação permanente e continuada. “Hoje, a unidade oferta o atendimento médico e o fornecimento de medicamentos. Temos duas farmácias que fornecem medicamentos: uma é do estado, com funcionários especialistas concursados, e outra farmácia, do Rio de Janeiro, contratada por meio de licitação”, relata. Goshima, com Rossana Maria Mousinho Ribeiro Siegl, médica pediatra homeopata na mesma unidade, realizam, em média, 600 consultas por mês. 

Desafios para o avanço da homeopatia

Integrante do Fórum de Homeopatia da Fiocruz 2021, o médico homeopata e professor Reinaldo Gaspar, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), chama atenção para o pequeno número de residências médicas em homeopatia, além da ausência de cursos de especialização no SUS e da escassez de cursos de capacitação e informação em homeopatia no país. Além de sugerir a inserção da homeopatia na graduação e pós-graduação e aperfeiçoamento dos programas de residência médica, cursos de especialização para profissionais do SUS, em programas de educação permanente em saúde, a criação de Ligas Acadêmicas e a ampliação de cursos de especialização para médicos, farmacêuticos, odontólogos, médicos veterinários vinculados ao SUS, Gaspar propõe maior investimento em comunicação, para facilitar a difusão da homeopatia entre gestores, profissionais e comunidade. Ele também realça a importância dos congressos, encontros científicos e fóruns para analisar a implementação da homeopatia no SUS e promover a divulgação das pesquisas existentes, sugerindo a realização de novas pesquisas com editais específicos para a investigação da eficácia e efetividade da homeopatia no SUS. 

O médico homeopata João Márcio Berto, do Centro Municipal de Atenção Integral à Saúde de Nova Lima (MG), relata que os gestores desconhecem o método clínico homeopático, dificultando a aceitação de um tempo maior de consulta, requerido nessa especialidade. Em live do Fórum, realizada em 6 de julho de 2022,, Berto comentou que falta integração nas equipes multiprofissionais, já que muitos desconhecem a homeopatia, e alertou sobre a necessidade de capacitar os médicos de família para o uso da homeopatia em seus atendimentos. Segundo o médico homeopata, é necessário ter especialistas para dar suporte aos novos profissionais, por telemedicina. Ele propõe concursos para a contratação de médicos e farmacêuticos homeopatas e maior estímulo à inserção da homeopatia na atenção básica. 

Referências 

  1. CHAMPS, N.S.; LOPES, J.G.; SOUSA, P.C.; SOUZA, C.C.; JUSTO, B.L.T.; DUTRA, D.M.; MENDES, A.M.S.; PRASS SANTOS, C.; TAVARES, R.L.C. Impact of Homeopathic Treatment on the Quality of Life of Women with Chronic Diseases: A Randomized Controlled Pragmatic Trial.
  2. PRASS SANTOS, C.; BRINA, N.T.; MAGALHÃES, I.L.; SOARES, A.S. Report on the use of homeopathic medication in the prophylaxis of dengue in Belo Horizonte – Minas Gerais, Brazil in 2010. Rev Homeopatia 2012;75(3/4):1-12.

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